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25/06/2019Undime

Com avanços tímidos nos indicadores, especialistas consideram que educação no país está estagnada

Para eles, engavetamento do PNE, financiamento e falta de políticas públicas estruturais estão na raiz do problema; IBGE divulgou dados sobre a área na quarta-feira (19)

Embora tenha mostrado evolução nos índices educacionais, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) mostra que a educação do país ainda está longe da resolução de seus principais problemas. Na opinião especialistas, os avanços são muito pequenos, o que configura um cenário de estagnação do país na área. Entre as causas para esse cenário, educadores apontam o escanteamento do Plano Nacional de Educação (PNE) e a falta de políticas públicas contundentes para reverter questões estruturais como a evasão.

Os dados da Pnad Contínua, que abrange 211 mil domicílios em todo o país, revelam que ainda há 11,3 milhões de analfabetos no país. O índice passou de 6,9% da população acima de 15 anos, em 2017, para 6,8% desse grupo em 2018. Além disso, a Pnad revela que há altos índices de jovens de 15 a 29 anos que não estudam e nem trabalham (23%); e que 40% da população acima de 25 anos não têm nem o ensino fundamental completo. Nesse contexto, os pesquisadores afirmam que o fortalecimento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) pode ajudar a reverter essa realidade.

— Desde o começo de vigência do Plano Nacional de Educação, em 2014, essa meta de alfabetização está praticamente estagnada, tendo mudado somente dois pontos percentuais. Isso acontece porque não há nenhum programa ativo em dirimir essa situação. O Brasil Alfabetizado foi extinto em 2016 e turmas de Eeducação de Jovens e Adultos estão sendo fechadas pelo país. A política de educação de jovens e adultos, que atinge uma população em maior situação de vulnerabilidade e que já teve seguidas violações do direito à educação, é muito precarizada e escanteada — afirma Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O coordenador do Núcleo de Inteligência do Todos pela Educação, Caio Sato, também destaca as políticas voltadas para EJA como estratégicas para melhorar o cenário da educação brasileira.

— As políticas têm que ser direcionadas para educação de jovens e adultos que tem uma característica diferente da política relacionada à alfabetização da criança. É preciso ter uma estratégia de retorno dos adultos para escola e uma outra perspectiva de inserção deles no âmbito da cidania — afirma Sato.

Ele destaca ainda que é preciso também investir nas políticas voltadas para a primeira infância a fim de mitigar as desigualdades desde o início da vida escolar da criança. Sato exemplifica que, segundo pesquisas, crianças de baixa renda desde o início da vida têm contato com um vocabulário menor que seus pares inseridos em famílias mais ricas, o que poderia em parte ser corrigido com uma educação de qualidade na primeira infância. O educador chama atenção ainda para o fato de que a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), feita pelo MEC, já constatou que a alfabetização das crianças brasileiras não têm acontecido de maneira eficaz.

Dificuldades de aprendizado devem ser encontradas e combatidas o mais rápido possível

Juliana Leitão, especialista em políticas educacionais da Fundação Roberto Marinho, afirma que os avanços foram "discretos", mas que é preciso aumentar a velocidade dos ganhos. Para isso, afirma, é preciso encontrar as dificuldades de aprendizado dos alunos e combatê-las o mais rápido possível.

— Temos que focalizar em quem precisa. O país tem especialistas, faz estudos, temos os dados e sabemos onde estão as pessoas com as maiores dificuldades. Temos, basicamente, dois gargalos: um no Ensino Médio e outro nos últimos anos do Ensino Fundamental. Agora, dentro da escola, se faz necessário um projeto de correção de fluxo destinado aos alunos com dificuldade de aprendizagem.

Ela explica que esse monitoramento precisa ser constante, para evitar que as dificuldades só sejam descobertas no fim do ano letivo.

— É preciso ter como norte o acompanhamento dos resultados dos alunos. Monitorar os indicadores das turmas é importantíssimo. Precisamos achar as dificuldades do aluno antes que se chegue a dezembro para descobrir que o estudante perdeu o ano. Temos uma cultura de repetência no Brasil. Essas dificuldades devem ser descobertas a tempo para os pais serem chamados, o reforço ser convocado para evitar que essa repetência aconteça.

A educadora Anna Helena Altenfelder, presidente do Cenpec, concorda que os gestores precisam concentrar esforços na aprendizagem dos estudantes.

— Sabemos que a distorção idade-série é um problema seríssimo e causa evasão. Outra questão importante é garantir uma política para que os alunos efetivamente aprendam o que é esperado. Não podemos admitir que o aluno saia da escola sem aprendizagem adequada, sem nível de alfabetização adequado.

Altenfelder diz que é preciso corrigir as deficiências do país em termos de aprendizagem para garantir que os índices não voltem a subir.

— Infelizmente não temos surpresas positivas, o quadro não tem grandes mudanças. Causa preocupação, porque sabemos que as políticas educacionais estão estacionadas e os indicadores nos mostram a urgência de se pensar e alavancar políticas no sentido de alfabetização adultos. É preciso pensar em como não engrossar os indicadores, para que a gente tenha boas surpresas nas próximas edições.

Desigualdades perduram

A Pnad Contínua revela ainda que uma das principais características do problema educacional no país é a disparidade entre brancos e negros, e entre as regiões do país. De acordo com Andressa Pellanda, a falta de investimento em políticas estruturais reforçam o problema. Ela cita que a meta 8 do PNE não tem evoluído significativamente. Esse trecho do documento prevê, entre outros pontos, igualar a escolaridade média entre negros e os demais até 2024.

— O balanço que fizemos dessa meta mostra que a população negra, do campo do nordeste e o quartil mais pobre segue defasado em relação à média da população. Ou seja, além de não investirmos em políticas estruturais para jovens e adultos, as parcelas dessa população em maior situação de vulnerabilidade e discriminação é a mais afetada em termos educacionais — critica.

Caio Sato ressalta a importância no desenvolvimento de ações que sejam capazes de trazer as pessoas que saíram do sistema de volta para a escola, o que pode ajudar a reduzir também os problemas relacionados ao desemprego.

— Muitos não estão estudando e trabalhando porque evadiram da escola e não estão encontrando oportunidade no mercado de trabalho, seja pela crise econômica, ou porque perderam o interesse. Precisamos pensar um novo modelo para que esses alunos continuem estudando, que aumente o engajamento deles com a escola. os sistemas educacionas da educação pública têm que ter uma política muito forte de busca ativa, tentando recuperar o jovem de volta para o sistema educacional. Isso deve ser uma responsabilidade do governo — analisou.

Crise de financiamento

Na opinião dos educadores o caminho para resolver essas questões ainda é longo e passa pela discussão do financiamento. Para Anna Helena Altenfelder, presidente do Cenpec, o país vive um momento chave em termos de traçar estratégias para o financiamento da educação, já que o Congresso precisa aprovar ainda neste ano o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Ela afirma que a proposta da União de elevar para 15% sua contribuição com o Fundeb é insuficiente para dar conta das necessidades da área. Atualmente, a União contribui com 10%.

— Uma questão bem séria é o financiamento da educação. Muitos estudos mostram a necessidade de uma contribuição maior por parte da União que, atualmente, é quem contribui com a menor parte. Se a gente quer um país socialmente justo e economicamente desenvolvido, é preciso fazer um investimento na educação — diz.

Restrições orçamentárias também são uma preocupação. Em 2016 foi promulgada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabeleceu um teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos. Recentemente, já na gestão de Jair Bolsonaro, o MEC foi alvo de um bloqueio de R$7,4 bilhões, dos quais R$2,6 bilhões já foram descontingenciados após protestos que levaram milhares de pessoas às ruas do país.

— Esse cenário de estagnação nos indicadores educacionais e sociais é um cenário que não surpreende, dado que estamos sob um Teto de Gastos para as áreas sociais e de subfinanciamento latente para a educação. Enquanto seguirmos não construindo vagas, não incluindo os sujeitos de direito nas escolas, e não dando condições de permanência e uma educação de qualidade, esses números vão continuar se repetindo — opinou Andressa Pellanda.

Fonte: O Globo/ Foto: Guito Moreto, Agência O Globo

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